domingo, 28 de dezembro de 2014

repartida

(sobre o 21.12.2014)

Desacostumei do poema,
não da poesia
A prosa dos dias é que de mim
dizem
A louça na pia o trabalho na mesa o drama o drama o drama a dramaturgia
e a cama vazia
Na métrica prosaica dos dias
- dos mais quentes
aos invernais (esses sim, glaciais)
do além-trópico
que, a me ver longe, atravessei
(utópico
desejo de partir) -
sobrou pouco ou já nenhum espaço
pra ti.
Desacostumei,
mas retomo
- força maior de uma circunstância anunciada -
a forma-poema
e o conteúdo
tantas vezes precipitado

[]

Dizer na forma que era
(já agora me custa lembrar)
a própria forma de teu corpo:
um que
antes de se repartir
sobre mesas frias               
e mãos esterilizadas

partiu-se em mil
versos livres
de amor
sob mãos femininas
- sendo duas delas
as minhas

[]

Partir
Infinitivo e imperativo maior de uma existência
Partistes e te partiram muitas vezes
(em pedaços, estrofes de ti)
de modo que
- e não me entendam mal nem mal me queiram -
essa última partida
pesa apenas por ser isto: a última.
Afinal, já havias partido há tanto
de meu convívio
da rotina prosaica de meus dias
que a falta
a ausência tão doída
tão sentida por alguns

me era já uma antiga conhecida

[]

Outras partidas
Já o foram
Outras mais ainda irão de

Dez anos as separam

E tenho sido poupada
por estranha coincidência
ou graça divina
de vivenciar
assim
perto
todo o processo
até o momento átimo
(ora por infantil inocência
ora por deliberada e alheia vontade)
Talvez por isso me custe
menos
do que se esperava
- e do que, ainda agora, espero –
me custar:
pelo que
em vez de as separar
une

[]

Ou porque
como dizia Bishop:
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster

[]

Desacostumei de ti,
não da poesia
(ou da vida!)
de que eras prenhe
e que nos cabe
agora
fazer vingar
Por isso
é que
nem alegre
nem triste
nem poeta
aceito a tua ida
- tão bem quanto
mal aceitei
a outra,
e ainda melhor
que a primeira

Até
quem sabe

a vista

quinta-feira, 3 de julho de 2014

caçada

mas afinal o que tanto procuras
que não estava lá
nem esteve aqui
e o que pensas encontrar na volta

e nesse leva-e-traz
o que fica
e o que sobra

satisfaz?

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Em 10 de fevereiro, no dia seguinte ao que voltei de viagem

'Eu vim a Campina Grande diretamente da barriga de minha mãe - barriga que já nem existe mais, embora às vezes me dê uma vontade louca de voltar pra lá. E parti, anos depois, em busca de outras paragens que eu pudesse provar, aprovar, talvez desaprovar. Cheguei a Porto Alegre, que foi o lugar mais distante que consegui ir de início. Hoje, se me perguntam porque escolhi esta cidade, digo simplesmente: pela distância. E a mesma distância-motivo de minha partida é, agora, razão triste para muita saudade. Nessa terra estrangeira, não sou amiga do rei, tampouco de muitos plebeus. Aqui, nada-se, nada-se e morre-se na praia das relações. Aqui nada-se num não-mar (meu mar, cadê?) destemperado, descompensado, de estações mui radicais, intensas - e vida nem tanto assim. Se a minha terra é seca, esta aqui é estéril em muitos sentidos. E me deixa, ilhada que estou de minhas referências, propensa a erros, equívocos que tem por consequência crises de surto, de ansiedade. À minha magra silhueta sua culinária, tão pobre em variedade, também não faz bem. Cadê a pamonha, a carne de sol, a tapioca, o bolo de milho, de macaxeira, o pãozinho fresco, o arrumadinho, a peixada, etc., etc.?

No mais, agora é esperar o último caminhão, que parte sabe lá Deus quando, de volta pro meu Nordeste.' 


Numa virtual (possível!) reapresentação do Como se fosse [im]possível ficar aqui, atualização de um dos trechos finais.