quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Ponto de Interrogação

Título emprestado de uma das canções mais belas e mais bem gravadas de Gonzaguinha.



Intuitivamente sim, a coisa certa. Racionalmente nem tanto. Mas
fazendo
correndo
tropeçando
batendo a poeira
limpando o suor do rosto
chorando
escondendo as lágrimas
cantando
assumindo a voz
me esfomeando
emagrecendo
calejando os dedos
e a alma
desmaiando de cansaço
fumando mais um maço
passivamente
passando a mão
na mente
sentindo-me quente
ardo
árduo
criando
produzindo
projetando
sendo filha
sendo amiga
sendo ouvinte
musicante
cantatriz
cantriz
ganhando outra cicatriz
e adorando-a
bem dizendo-a
bem calada
bem segura
rezando
pedindo
sentando num canto do quarto
enrolada na toalha de banho
olhando a imagem
de Nossa Senhora
vai dar certo, vai dar certo, vai dar certo...


sábado, 20 de fevereiro de 2010

Bello, mais que belo


Passando pelo corredor ouço um violão. Corro para o quarto e vejo que meu pai assiste a um programa musical. Um velhinho de cabelos muito cacheados e brancos parece ser o homenageado. Embora sua figura não me fosse estranha, não me recordava o seu nome. Fiquei curiosa e continuei assistindo. De repente as intérpretes convidadas começam a cantar músicas que eu simplesmente adoro, mas não fazia ideia de que eram dele. Timoneiro - Hermínio Bello de Carvalho é o nome do especial, e claro que, em se tratando de TV aberta, estou falando da TV Cultura. Versos como me devolva aos meus travesseiros (cobras e lagartos), meu mal pedaço de fato, és um esparadrapo que não desgrudou de mim (doce de côco) são incríveis e dele e, por Deus!, eu não sabia...
Ele fez parceiras com Pixinguinha, Nelson Cavaquinho e por aí vai-se.
Entre as convidadas, Simone e Zelia Duncan.
Enfim, não cabe a mm aqui me aprofundar em uma biografia. Para mais informações há o site http://www.mpbnet.com.br/musicos/herminio.bello.de.carvalho/

, mas bom mesmo é descobrir "incriveldades" assim, ao acaso.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

O acre do Mel

Ouvindo agora o disco "Mel-1978", de Betha, me deparei com esta música. Corri pra pesquisar quem era o compositor. É, só podia ser o Lupicínio mesmo.


E aí
Eu comecei a cometer loucura
Era um verdadeiro inferno
Uma tortura
O que eu sofria por aquele amor
Milhões de diabinhos me martelando
Meu pobre coração que agonizando
Já não podia mais de tanta dor

E aí
Eu comecei a cantar verso triste
O mesmo verso que até hoje existe
Na boca triste de algum sofredor
Como é que existe alguém
Que ainda tem coragem de dizer
Que os meus versos não contêm mensagem
São palavras frias, sem nenhum valor

Oh! Deus, será que o senhor não está vendo isto
Então por que é que o senhor mandou Cristo
Aqui na Terra semear amor
Quando se tem alguém
Que ama de verdade
Serve de riso pra humanidade
É um covarde, um fraco, um sonhador
Se é que hoje tudo está tão diferente
Por que não deixa eu mostrar a essa gente
Que ainda existe o verdadeiro amor
Faça ela voltar de novo pra o meu lado
Eu me sujeito a ser sacrificado
Salve seu mundo com a minha dor

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Destinatário Anônimo

Por ti amanheço
Por nós enlouqueço
De mim, ato falho
Por teus, ato os braços
e desapareço.
De ti não me esqueço
O nós embaralho
Os nós não desato
Os deixo amarrados
enquanto anoiteço.
E acordo ao avesso
E almoço o que escrevo
Se perguntas por quem
digo alguém
O nome?
desconheço.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

A quem interesse

É fato: a chuva quando vem não vem mais chuva, vem enchente. É nessa hora que aqui no Nordeste cantamos Senhor, pedi pra chover, mas chover de mansinho (Gonzagão), embora aqui eu esteja falando no sentido figurado. O ano começou e parece que todo mundo resolveu me convidar pra participar de seus projetos, ou recuperar os que ficaram pendentes. E eu, que gostaria de participar de todos, descubro que não posso abraçar o mundo com as pernas. Aí peno, lanho o pensamento na difícil tarefa de escolher as prioridades. Escolho, mas escolhendo também renuncio. Antes de tudo resolvi estudar para um concurso público, e assim se vão quase quinhentos reais e as minhas tardes de segundas a sábados. Já sinto a pressão da faculdade esse ano, onde não vou ter mais a vida boa (e livre) que tive ano passado. Recebo um convite para participar de uma peça chamada Tempo de Guerra, a la Bethânia, onde eu também vou cantar e atuar com pessoas que amo e admiro. Ligado a isto está um projeto de um professor de letras da universidade, onde posso concorrer a bolsa de estuda. Mas projeto de bolsa eu já vinha encaminhando desde o ano anterior com outro professor, este de física, e para o qual eu farei uma leitura dramatizada de uma peça de Michael Frayn, Copenhagen, dentro de sua tese de doutorado. E quando penso que já haviam desistido de mim, recebo (again) o convite de participar do Playback (grupo de teatro de improviso) como musicista. Na verdade dessa vez nem foi mais convite, eu já nem sei o que foi. Enfim. Depois de muito refletir - e pedir orientação a minha Nossa Senhora, já decidi que caminhos vou seguir. E vou confiante, pois nunca me arrependi de decisão nenhuma e achoi que não vai ser agora que vou errar. Algo dentro de mim diz que vai dar certo.
Esses caminhos vocês conhecerão nos próximos posts.


Neste ínterim, claro, não abandonei a leitura. Recomecei a ler um livro de Simone de Beauvoir, Por uma moral da ambiguidade, que contem dois ensaios filosóficos. O primeiro homônimo ao título do livro e o segundo chamado Pirro e Cinéias. Comecei por este último. Basicamente fala da inutilidade das caminhadas que o homem faz no decorrer de sua vida, pois no fim ele acabará voltando para o seu ponro inicial e terminar seus dias em completo ócio. Se reduziu às dimensões de um átomo e escolheu viver fora do mundo, sob as águas silenciosas e indiferentes, no coração de um talo de lótus.
Sobre este livro, falarei melhor depois.


E acabo de ler esta inadjetivável crônica do Fabrício Carpinejar, da qual trancrevo abaixo o último trecho (e eu realmente sugiro que a leiam completa em seu blog):

– Feliz, filho?
– Sim.
– Desculpa, não percebi o cansaço.
– Sabe por que chove, pai?
– Para diminuir o calor?
– Não, é para o mar pensar. Ele não consegue pensar com tanta gente dentro dele.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Coisa do outro mundo

é que, na verdade, a expressão "coisa do outro mundo" é de uma baixa auto-estima sem proporção. Afinal, o nosso mundo tem coisas muito mais in-críveis que qualquer outro. Duvida? é só olhar pro lado.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Sensitividade


longe da Bahia, ele ainda é de todos os santos.


Incrível como cada segundo seguinte é um abismo cuja imensidão podemos traduzir em incerteza. Por mais que planejemos, o acontecimento seguinte é tão provável quanto você ligar para um número e este estar ocupado - ou não, já diria Caio Fernando Abreu.
Como muitos em plena sexta-feira, saimos eu e um grupo de amigos para comemorar o aniversário de Shardella, e acabamos indo a um restaurante diferente do combinado.
Já na mesa, conversávamos sobre santos, ou quem seria o santo padroeiro de cada um. Nos atende um rapaz de forma não muito atlética, a voz umas oitavas acima do normal. Cidcley dizia "minha padroeira é Nossa Senhora da Conceição, o dia dela é no dia do meu aniversário..."

- Oito de dezembro, emendou imediatamente o garçom.

Nós olhamos meio atônitos, surpreendidos pela inesperada sapiência cronológico-religiosa de nosso atendente. E continuamos a conversa, quando ele novamente interrompeu:

- Alguém aqui é do dia 12 de outubro? É o dia de Nossa Senhora Aparecida.

Pablo ia dizer "eu", mas o doze dele é de dezembro.

-Doze de dezembro é o dia de Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira da América Latina.

Cada vez mais impressionados com ele, joguei "você sabe se tem alguma santa no dia 17 de agosto?" (meu aniversário)

- Nossa Senhora dos Prazeres.

Adooooooooooro!! Pronto, arrumei minha padroeira ali, em pleno restaurante!!! Entre os comentários maldosos de amigos (lê-se: Larissa).

E eis que a nossa aniversariante solta "o senhor é padre?"

-Não, sou seminarista.

E eis que na mesa reverbera-se um "aaaaaaaaaahhh" de compreensão geral. Como é que você sabia, Jessica? Alguém perguntou. Sei lá, é que eu sou meio sensitiva.
Daí que o garçom não largou mais do pé da gente. Foi só dar uma cordinha...
Ele contou que fazia parte da diocese, e perguntou que igreja nós frequentávamos, e falou de um grupo de jovens, segundo ele, "secreto" dentro da comunidade dele. Ou algo do tipo. E perguntou se a gente já fazia parte de algum outro grupo de jovens. E pediu pra nós irmos visitar a igreja dele, que agora não me recordo o nome... e, e, e...
Sei que na hora de servir a pizza ele perguntou:

- O que é que se diz na hora de comer?

Por favor? Obrigado? Bon apetit? Já tá pronto? E eu já tensa achando que se não dissesse a resposta certa não ia comer da pizza.

- Nããão. Quem come deste pão está comendo do meu corpo.

...

(no comments)

Lá pras tantas, restirando os pratos da mesa, deixou cair um garfo.

- Vai chegar um homem aqui.

"Que homem?!!" pergunta Jessica com a voz mais aflita o possível. Eu não resisti e caí na gargalhada. Os outros que estavam mais distante dela pararam a conversa para saber do que se tratava a nova interferencia-garçonal.

- Você não é sensitiva?

"Vai cheagr um homem aqui? Não sendo um ladrão!" E eu já não aguentava mais de tanto rir.

Essa foi a deixa para pagarmos a conta e irmos embora.

Desço do carro de Jessica, me despeço e, minutos depois de estar aqui, ela vem contar que assim que eu eu saí ela escutou alguma coisa bater no carro e arrancou com tudo. Quando deu a volta viu que era um bêbado, mas continuou apavorada e com o pé no acelerador.

Sensitiva ou não, o fato é que o homem apareceu.