quinta-feira, 25 de abril de 2013

Geografia (ou, queria, escrito de um diário de décadas idas)

Busco em terras que vou tocando
como no poema do Campos
aquilo que não está em parte alguma
e cada lugar é bom
por que dele posso partir.
Ante este por-vir
distraio o tempo
faço a 'passagem das horas'
como posso
e me esforço para aproveitar o quando.
Na falta de uma boa companhia
- ah!, como tem me feito falta -
olho pra cima
e a lua é minha convidada
para um passeio noturno,
pedalada,
pela tal Cidade Baixa.
Altero a velocidade, sigo meu ritmo (não preciso de música)
balizado pelos carros, pedestres, lombadas.
Mas há outras ruas, mais silenciosas
e também por elas pedalo, receosa
ruas que me recebem com um cheiro inesperado de jasmim
misturado com o odor da erva.
Atravesso a travessa escura, temerosa
mas já logo saio à luz.
Aponto para o caminho de casa e sigo.


segunda-feira, 22 de abril de 2013

Segunda-feira, e só

Eu temo perder aquela que eu nunca toquei
o amor me mantém escrava numa jaula de lágrimas
Eu rôo minha língua com a qual nunca posso falar com ela
Eu sinto falta de uma mulher que nunca nasceu
Eu beijo uma mulher através dos anos que dizem que nunca devemos nos encontrar

Tudo passa
Tudo perece
Tudo empalidece

meu pensamento se vai com um sorriso assassino
deixando uma ansiedade discordante
que ruge na minha alma


[Sarah Kane em Psicose 4:48. Há três anos queria ler essa peça (?). Por coincidência, aconteceu de eu lê-la numa segunda-feira deste novo ciclo.]

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Por que é segunda-feira, há o que dizer, mesmo na ausência

Cada palavra divide um pedaço do real na tua boca. Um pedaço que é meu, por que eu te ouço, digo, que é meu quando eu te escuto, por que esta fatia está toda inserida na minha realidade. Cada palavra que sai da tua boca me diz de um mundo, e de mundo em mundo eu vou formando o teu universo, apreendendo-te. Palavra, buraco da fechadura. Palavra, ponte por onde te alcanço. E a palavra do compositor? É ela – são elas – toda a sua realidade. Vento cortinhas papeis verso beijo sonho, todos os substantivos empurrados para vida pelos verbos passa varre leva vem arrasta zomba. E, empurrados para a vida, adquirem qualidades: bandido perdido refém. Sim, te ouço e escuto, e penso que já sei do todo pelo pedaço de real que acolho. Não sei – nem do todo nem do pedaço – até chegar aqui, até estar aqui e compartilhar dos mesmos substantivos teus, empurrados pelos mesmos verbos teus e adquirir as mesmas qualidades tuas. Aí sim, talvez, um pedaço do teu real. Mas, sempre, só teu. E o meu, só meu.


[Escrito às pressas na manhã de hoje, para a aula, a partir de um texto do Novarina. Lá, minha interlocutora se fez ausência, e disfarço na referência a Vitor Ramil.]

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Por que é segunda-feira, o coração é vagabundo

Me assusta com a chegada pálida e não sei que outras formas de bom dia ainda se usa. Na outra caminhada, em círculo e às cegas, não sei é se o braço que encontro, quente e macio, é o mesmo que procuro. Presto atenção ao teu dia, tentando captar-te, conhecer-te. Noutra hora, olho a boca que diz algo como "... tua boca", ou foi isso que quis ouvir. O resto é silêncio. Sai desenfreada porta afora. Já não te alcanço.




domingo, 7 de abril de 2013

Epifanias no meio de um show onde rio, onde choro, onde sou

Chegada do show da Malluzinha, algumas considerações:

- que, a despeito do que alguns desinformados pensam por aí, por trás daquela carinha fofa tem uma menina esperta e um mundo de referências;
- que essa menina cresceu um bocado, tá desenvolta no palco, forma linhas bonitas com o corpo, enfim, tá dadivosinha;
- que, se repararmos nas letras, encontramos algumas passagens lindas que essa menina atravessou no seu caminho para se tornar mulher (é, Simone, é assim mesmo);
- que, tendo a mesma idade dela (quase), me comovem essas passagens, pelas quais eu mais ou menos também passei;
- que, mesmo estando tudo nas letras, a forma não perdeu a leveza. Mas que essa leveza não me engana, ela tem fundura;
- quanto a mim, cansei do peso. Sou agora adepta da leveza (mas, não se enganem, uma leveza com fundura).


Queria mesmo poder cantar, assumir sem culpa o desvio da minha velhice: “talvez eu seja pequena...”