quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

De peixes

Sabe um peixe? Desses que vivem no mar? Então. Essa história é sobre um que vivia no ar. Nasceu ouvindo dizer que era pássaro e, como tal, permaneceu com a existência sendo carregada por correntes que o levavam aos lugares aonde são levados os pássaros que se prezam. Mas, no caminho que o levava a esses lugares, sempre reparava num brilho forte que vinha d’algum lugar abaixo de si e que o acompanhava desde a sua primeira viagem de pássaro. O brilho vinha de uma coisa grande, que ele não conseguia dinstinguir, mas que se agigantava horizonte afora em pura luz. Um dia ele ouviu, sem querer, numa dessas conversas que ave-grande promove e que só ave-grande entende, que aquele brilho vinha de uma coisa chamada "Mar", onde viviam criaturas desconhecidas, seres perigosos, devoradores de pássaros - vejam bem: peixes devoradores de pássaros. Mas o nosso peixe aqui era dado a reflexões de cunho filosóficocríticometafórico e pensou ora, mas se “mar” se parece tanto com “ar”, se são distintas apenas por uma letra de sonoridade quase muda, ora, se nós, pássaros, vivemos no ar não podemos ser muito diferentes das criaturas viventes do mar e o que nos separa é apenas um quase-silêncio. Foi com esse pensamento que o nosso amigo resolveu desbravar o mar e, na primeira oportunidade, tomou rumo. Sem bem saber como fazia, rasgou o ar numa velocidade meteórica e, como num arrebatamento, mergulhou nas profundezas de um universo totalmente novo e – pasmo percebeu – totalmente seu! Sentiu suas vias respiratórias relaxarem como nunca havia sentido; deixou-se levar pelas correntes marítimas com a naturalidade de quem nascera pr’aquilo; nadou numa velocidade infinitamente maior com a qual jamais voara.
E sentiu-se bem. Sentiu-se ele. Sentiu-se peixe.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Cometimento

Entre a morte e a nudez.
O espelho do quarto diz que está particularmente bonita.
Estarão à sua espera.
Solta a correia. No banheiro público se maqueia,
se perfuma.
Coca-cola pra tirar o fel da boca. O desconhecido por destino.
A clandestinidade por carro-forte. A maré é cheia, a lua amarela
e a chuva um excelente respiradouro.
O primeiro beijo é salgado,
o segundo é tinto,
o terceiro pró-logado.
Menage: ela, eu e Giorgio.
Natural como respirar. O toque. O relaxamento e a consciência do universo ao redor.
As mãos que se afagam. Os corpos que se unem.
Séria? Não. é que eu gosto de te observar.
Raios, trovões, deuses que conclamam esta noite.
Bis.
Não quero ir embora. O último beijo a 500 metros da verdade.
Sonho delírio mentira onírica verdade inusitada.
Gostei. gostou.
O cheiro que de algum lugar em mim exala surpreende e entontece.
O sexo que lateja.
Novamente: sonho?
Não. é que somos capazes do que menos supomos ser e o acaso faz por onde.
Esse poema não traduz a verdade e a delícia do cometimento.
Aos 19.
Quem é essa?

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Porque há o direito ao grito -- então eu grito.

Há dias que venho maldizendo a dinâmica das atividades teatrais desta minha cidade de Campina Grande. Num domingos desses assisti a uma entrevista com Lobão, que disse: "o Rio [de Janeiro] está vivendo um processo de reinvenção regressiva brutal!". Creio que isso se aplica ao teatro campinense. Tem-se visto montagens, ou melhor, re-montagens de textos que num passado tiveram seu lugar, mas que na cena atual ocupam ou gastam uma energia e um tempo de trabalho que poderia estar sendo dedicado a coisas mais interessantes. No mínimo se arriscar mais...
Enfim, não é sobre eles (só) que quero falar.
Também nós - eu e uns amigos babado que me ensinam e me jogam nessa vibe, que estamos propostas e ideias um tanto mais "avançadas" vemos nossos projetos serem abortados por uns poucos que não se dispõem a encarar a fera. Daí que começamos tudo e terminamos nada. E tem uns que querem meter Lavoisier na história, dizendo que as coisas não estão se perdendo, apenas se transformando... Conversa pra boi morto!
Em novembro passado esses mesmos amigos babado resolveram reunir, montar um grupo de pesquisa em teatro. Pesquisa prática, principalmente, de corpo de ator mesmo. Um dos motes é trabalhar a criação de ações (não movimentos) a partir de textos narrativos, não necessariamente escritos para teatro. E se eu estiver errada, por favor, que alguém do grupo me corrija. Bem, começamos a trabalhar lá por novembro, pro grupo ter uma ideia mais concreta do que consistia, de fato, a proposta. Depois de um mês nos reunimos novamente pra traçar algumas metas pro próximos ano, fazer um balanço, essas coisas... Ficamos de nos reencontrar hoje, 07/02/2011. Contudo, na última semana um espectro andou rondando o meu pensamento: o fantasma do aborto. Uma das componentes já vinha faltando aos ensaios, sem justificativa declarada. Outra, por motivos de trabalho, mesmo querendo muitíssimo continuar a "pesquisa" (porque esta eu sei que quer!), está se vendo no impasse de estar fora da cidade pelo menos três dias na semana. Não bastasse isso, um outro me falou em off-broadway que estava pensando em abandonar o barco e seguir novos ventos... Puta que o pariu, né? Me assombrei, mas não me acuei. Não quero rever esse filme, que anuncia seu final com pontuadas desistências. Chega! Não aguento mais! Que inferno! Quis mandar gente se danar, mas em lugar disso desabafei com quem tem compartilhado dessas mesmas sensações. Nem que sejamos apenas nós dois (que não somos, pois graças aos deuses mais gente quer - e quer!) estaremos roucos de gritar no deserto da indiferença, e chamo indiferença porque não sei que nome dar a isto. E faremos, ah se faremos!
Meus gritos ecoaram no ensaio de hoje. Compreensível e já a par de minhas angústias, nosso por enquanto apenas "condutor" me jogou contra elas em exercícios que... bem, em exercícios que ficaram lá no tablado e que não podem ser reduzidos a poucas linhas.
Voltei pra casa acabaaada, mas satisfeita.
Com a sensação de abandono (essa é uma boa tradução) diminuída.
É que não posso abafar meus gritos, nem essa vontade de fazer que tem me consumido.

"Eu com uma vida que finalmente não me escapa pois enfim a vejo fora de mim - eu sou minha perna, sou meus cabelos, sou o trecho de luz mais branca no reboco na parede - sou cada pedaço infernal de mim - a vida em mim é tão insistente que se me partirem - como uma largatixa, os pedaços continuarão estremecendo e se mexendo." Clarice Lispector



PS: pqp, mais um post mal escrito!

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Black-out: medo do escuro

Faltou energia.
A noite respira diferente.
A novidade autoriza que saiam de seus abafados silêncios os nossos barulhos noturnos.
Em algum lugar rua afora carros disparam seus alarmes
- a escuridão é uma ameaça?
No prédio em frente e até no mais distante vejo focos de luz.
Não são velas:
apagão do século XXI se resolve com a luz dos celulares.
Boatos de que foi na cidade inteira.
As rádio estão fora do ar.
Grilos, sapos e outros bichos parecem estar mais próximos.
Até minha ida secreta ao banheiro da madrugada está mais difícil (mais escura).
O céu está bonito como há muito não se reparava.
No extremo mais acima dezenas de estrelas brilham num só encanto.
No entanto,
cônscia da minha pequenez diante desse universo sinto-me vazia.
Lembro que na nossa antiga casa, quando faltava energia eu ia com meus pais pra varanda ficar observando o pedaço de mundo escuro que nos rodeava, registrado aqui e acolá pelos faróis dos carros que passavam. Era como se estivéssemos escondidos, protegidos pela escuridão em nosso momento de observação, e por isso livres. Sentávamos os três, com os pés apoiados na grade do 1º andar. Lembro nitidamente do barulhos que as cadeiras de ferro faziam ao serem arrastadas pelo chão pra mais perto dessa grade. Nosso campo de observação era bastante extenso: só havia casas de um lado da rua, de modo que à nossa frente se via uma linha de trem, para além da qual ficava um campo de futebol, um bar, um condomínio residencial, algumas casas de uma outra rua que ficava mais adiante, duas avenidas longas que davam para outro bairro. Então ficávamos ali até a luz voltar.
Assim que a luz sumiu,
vozes surpreendidas vieram de vários apartamentos.
Tive medo.
Nós, pretenciosos humanos,
sucumbiríamos facilmente ao caos
anunciado pelo mestre Saramago,
ou pelos Tempos insanos de Geraldo Maciel.
É quase meia noite
e várias pessoas desceram para conferenciar.
Eu, que estava na dúvida entre dois programas de tv,
agora não assisto a nenhum.
Nem consigo dormir por causa do calor.
Luz, quero luz!