sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Black-out: medo do escuro

Faltou energia.
A noite respira diferente.
A novidade autoriza que saiam de seus abafados silêncios os nossos barulhos noturnos.
Em algum lugar rua afora carros disparam seus alarmes
- a escuridão é uma ameaça?
No prédio em frente e até no mais distante vejo focos de luz.
Não são velas:
apagão do século XXI se resolve com a luz dos celulares.
Boatos de que foi na cidade inteira.
As rádio estão fora do ar.
Grilos, sapos e outros bichos parecem estar mais próximos.
Até minha ida secreta ao banheiro da madrugada está mais difícil (mais escura).
O céu está bonito como há muito não se reparava.
No extremo mais acima dezenas de estrelas brilham num só encanto.
No entanto,
cônscia da minha pequenez diante desse universo sinto-me vazia.
Lembro que na nossa antiga casa, quando faltava energia eu ia com meus pais pra varanda ficar observando o pedaço de mundo escuro que nos rodeava, registrado aqui e acolá pelos faróis dos carros que passavam. Era como se estivéssemos escondidos, protegidos pela escuridão em nosso momento de observação, e por isso livres. Sentávamos os três, com os pés apoiados na grade do 1º andar. Lembro nitidamente do barulhos que as cadeiras de ferro faziam ao serem arrastadas pelo chão pra mais perto dessa grade. Nosso campo de observação era bastante extenso: só havia casas de um lado da rua, de modo que à nossa frente se via uma linha de trem, para além da qual ficava um campo de futebol, um bar, um condomínio residencial, algumas casas de uma outra rua que ficava mais adiante, duas avenidas longas que davam para outro bairro. Então ficávamos ali até a luz voltar.
Assim que a luz sumiu,
vozes surpreendidas vieram de vários apartamentos.
Tive medo.
Nós, pretenciosos humanos,
sucumbiríamos facilmente ao caos
anunciado pelo mestre Saramago,
ou pelos Tempos insanos de Geraldo Maciel.
É quase meia noite
e várias pessoas desceram para conferenciar.
Eu, que estava na dúvida entre dois programas de tv,
agora não assisto a nenhum.
Nem consigo dormir por causa do calor.
Luz, quero luz!