Cada palavra divide um pedaço do real na tua boca. Um pedaço que é meu, por que eu te ouço, digo, que é meu quando eu te escuto, por que esta fatia está toda inserida na minha
realidade.
Cada palavra que sai da tua boca me diz de um mundo, e de mundo em mundo eu vou formando o teu universo, apreendendo-te. Palavra, buraco da fechadura. Palavra, ponte por onde te alcanço.
E a palavra do compositor? É ela – são elas – toda a sua realidade. Vento cortinhas papeis verso beijo sonho, todos os substantivos empurrados para vida pelos verbos passa varre leva vem arrasta zomba. E, empurrados para a vida, adquirem qualidades: bandido perdido refém.
Sim, te ouço e escuto, e penso que já sei do todo pelo pedaço de real que acolho. Não sei – nem do todo nem do pedaço – até chegar aqui, até estar aqui e compartilhar dos mesmos substantivos teus, empurrados pelos mesmos verbos teus e adquirir as mesmas qualidades tuas.
Aí sim, talvez, um pedaço do teu real. Mas, sempre, só teu. E o meu, só meu.
[Escrito às pressas na manhã de hoje, para a aula, a partir de um texto do Novarina. Lá, minha interlocutora se fez ausência, e disfarço na referência a Vitor Ramil.]