quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Filha da simplicidade

É como se às vezes eu esquecesse que tive mãe. Mas ela está aqui, está em mim. Eu também sou ela quando me aprazo no trabalho em grupo, quando sou dramática e choro por qualquer palavra mal-dita. Também sou ela quando meu pai me faz sofrer – por me amar? Talvez tenha sido esse também o motivo pelo qual a fazia sofrer, mas ela também o amava, assim como eu. Mas parece que, em algumas questões, ele foi do verde para o podre e é mais dramático que nós duas juntas. É egoísta, não consegue se desprender de mim por medo de me perder, não se orgulha nem se alegra ao me ver a cada dia mais dona de mim por medo de me perder. Porque ele pensa que eu penso que sou alguma coisa, mas eu não penso, só ajo, e como ele quer que eu seja se não me solta as amarras? É como se eu só tivesse tido pai a vida inteira e ele se transformou numa figura absolutamente forte, um alter-ego que me acompanhará até não sei quando. Então, ao invés de eu contar meus planos e projetos, meus feitos secretos (secretos?) eu me calo, porque sei que ele não vai compartilhar desse momento bom, vai transformá-lo em agonia, em coisa ruim, em vontade de desistir, em panela de (de)pressão. Tenho me emocionado com as coisas mais banais que pode haver, com as conversas nas cozinhas alheias, com o café quente, com a bagunça no quarto, com o violão quebrado, porque não quero nada além de tais bobagens. Porque sou filha de minha mãe, sou filha da simplicidade, não do discurso diário sobre o último lançamento da Chevrolet, mas da mulher que quis um dia viver à beira da lagoa, entre ínfimas quatro paredes, tendo um fogão, uma cama e uma cômoda como única estrutura. É desta que sou filha. E quer saber, pai? Eu te amo, mas vai pra puta que pariu.