segunda-feira, 25 de março de 2013

Domingo no parque

Eu (talvez não exatamente eu, vá lá) poderia construir uma dramaturgia sobre o que se me (o sentido de experiência e seu radical e todas as palavras e significados derivados) tem passado nos últimos meses utilizando somente as letras de algumas canções do Caetano, que tem sido o meu compositor/letrista favorito desde que mo foi apresentado, digo melhor, desde que me abriram os olhos para o tal naquela noite de fevereiro. Hoje, particularmente, eu gostaria de fazer um pedido ao Caê: que uma nova canção/letra fosse criada como um híbrido (estou mesmo cheia das ideias do que venho estudando, lendo), mais como a mula de Döblin que como o monstro kafkiano, da clássica London, London com a recém redescoberta Menino Deus¹.

¹Nota de meio de escrita: digo que a canção em questão é recém redescoberta porque entendi que “Menino Deus”, além de se referir a um Deus menino erótico, é um bairro de Porto Alegre, onde hoje vivo. Um bairro, inclusive, bem próximo de minha casa. Quanto aos versos “Um Porto A/alegre é bem mais que um S/seguro/Na rota das nossas viagens no escuro”, gostaria muito de cantá-los com convicção e crença, mas ainda não é tempo para isso, principalmente depois da cena que há menos de uma hora presenciei: um “guri”, ao que entendi, funcionário de um supermercado, forçava a cliente, a quem deveria apenas ajudar a carregar as compras, a abrir a porta do edifício quase vizinho ao meu e deixá-lo subir, sabe-se lá Deus para quê. Ela gritava e ninguém acodia, tampouco eu que fiquei paralisada. (E eu que julgava ser esta uma cidade mais livre de violência).

Sim, é que me sinto um tanto como o eu lírico (o próprio Caetano dos anos ’70 e não a Macabéa de O nome da cidade) dos versos “I’m wandering round and round, nowhere to go/I’m lonely in London, London/Is lovely so/(...)]/I know, I know, no one here to say ‘hello’”. Não haveria um “I’m lonely in Poa, Poa”? Eu caminho pelo parque pouco tropical olhando grupos e casais de todas a combinações de gênero possíveis, sentados ou deitados na grama, se acarinhando, tomando chimarrão, ou mesmo caminhando de mãos dadas com seus caninos peludos de guia. Olho e, no entanto, “I choose no face to look at/Choose no way”. Me sinto uma espectadora de um teatro participativo (?), desses em que colocam o público no meio do espaço onde acontece a ação cênica. Estou lá, em carne viva, mas sem ser percebida (mesmo quando sou solicitada a fotografar uma pose ou quando a garotinha – suspeita, ou eu que sou muito desconfiada? – vem e me pede o telefone emprestado). Invejo os grupos e casais sentados ou deitados na grama, se acarinhando, tomando chimarrão, ou mesmo caminhando de mãos dadas com seus caninos peludos de guia. Mas penso que ao tempo também é preciso dar tempo e que em alguma hora as coisas vão acontecer, naturalmente. E penso, por fim, “It’s good, at least, to live, and I agree/(…)/I just happen (I’m just glad!) to be here/And it’s ok/(…)/I came around to say ‘yes’/And I say”.