sábado, 17 de outubro de 2009

De louça fina

Daquilo que foi excluído...

Não pude deixar de notar. Exatamente no meio do prato, de louça fina, havia um furo. Não um furo propriamente dito, mas uma marca mais forte que as outras. Pratos, se usados, têm mesmo seus riscos e arranhões, é a natureza deles, seu destino, sua sina. E essas marcas, esses riscos, todos e cada um deles, mostram quantas histórias um prato tem pra contar, se pudesse contar, não importa se é de louça fina ou de material barato. Bom, mas o prato não é, em si, o protagonista dessa história, como também não é apenas um coadjuvante, pois será o responsável pelo desfecho desse conto.
O que não me sai da cabeça é o furo. Louça fina certamente é usada por gente “fina” e gente fina também tem suas alterações, seus momentos de ira. Posso estar indo longe mas não deixo de pensar que aquele furo, mais forte que os outros, derivou da reação de alguém a alguma coisa e não de um simples e corriqueiro escorregão de talher por seu manuseador. Reação química: o cérebro recebe uma informação que é repassada em forma de estímulos nervosos para o corpo, os músculos e, dependendo da pessoa, ela pode exteriorizar de forma violenta. No caso, o prato foi a vítima. O que terá sabido ou visto ou sentido essa pessoa para ter “esfaqueado” o prato com tanta força? A filha está grávida! Ou pode ter passado no vestibular... a mulher perdeu o emprego, ou foi promovida! A sogra enfartou ou... não. Essa já seria a notícia boa! Ela pode ainda ter visto seu amante na mesa logo ao lado, tão perto e tão fácil pra puxar assunto com o seu esposo! Mas seja por que motivo for essa é a cena que eu imagino: ele/ela bateu no prato com força, com toda a sua força, levantou-se da mesa ainda com mais violência chegando a entornar o vinho e a afastar os pratos dos seus acompanhantes alguns centímetros. Foi-se embora.
Olho para o prato e já nem sinto vontade de comer. A contrariedade dessa pessoa transmitiu-se para mim. Levanto da mesa, deixo alguma gorjeta para o garçom. Vou-me embora.

Noite Carioca, o bar, jan/2009.

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