terça-feira, 27 de abril de 2010

Por impossibilidade de

venho publicar isto aqui.

A vizinhança inteira ouviu. Naquela tarde que tinha tudo para ser só a de mais um domingo modorrento, de repente fez-se alarme. Talvez não tão de repente assim. Há algum tempo já vínhamos reparando naquele casal. Eles, que chegaram à rua recém casados e que se fizeram exemplo desde então. Barulho na casa deles já estávamos acostumados a ouvir, tantos eram os risos, as gargalhadas e a música que os finais de semana abrigavam. Entre aqueles, espaços silenciosos que sabíamos guardar beijos e amassos. A rua inteira se animava quando vinham seus amigos para as freqüentes reuniões. Toda ela se enchia de alegria ao respirar a vida que aquele casal exalava. Pareciam viver numa eterna lua-de-mel. Mas, nos últimos meses, o silêncio havia penetrado na casa como uma doença, uma enfermidade que eles tentaram esconder, mas que o próprio segredo acabou por denunciar-se. Os intervalos mudos de amor que conhecíamos não eram aqueles que agora davam um ar patológico à casa. Como poderiam duas pessoas tão exclamativas de súbito calar-se? Não era normal. Algo estava acontecendo para que tivessem cessado as gargalhadas e a música. A mudez estourou:


– Olhe aqui... olha pra mim!

É hoje que cê vai sair daqui.

Mas não, não vai assim...

Quer antes, por obséquio, me devolver o equilíbrio?

Quer me devolver o sono que sumiu?

– Não, por mim tudo bem. Pode guardar

As sobras de tudo que chamam lar.

Inclusive a aliança cê pode empenhar

Que nem pelo estrago eu vou lhe cobrar.

– Ok, o farei.

Mas e o meu marcapasso, dá pra consertar?

Será que dá também pra consertar meu espelho?

Mas, ainda antes disso, fica de joelhos

E começa a cuspir todos os meus beijos!

– São as sombras de tudo o que fomos nós.

Momentos de intensa emoção.

E as marcas do amor nos nossos lençóis...

– São só sentimentos de penetração,

Ensaios de idas e vindas,

Coreografias de línguas

Que a gente chamou de tesão.

– Meu pobre coração

Tão dilacerado...

– Eu li numa revista.

Bobagem isso que chamam de amor à primeira vista

– ... toda medicina do mundo

´Inda seria pouca.

– Aproveita e apaga

O gosto de pescoço da minha boca!

Detetiza a chateação que a gente chamou de desejo.

– Trata-se, então, de um despejo?

– E, por favor, ao bater o portão não faça alarde.

– Deixo tudo, levo apenas saudade

E a leve impressão de que já vou tarde.


Um comentário:

  1. PS: escrevi isto há dois ano. na verdade meu escrito é a introdução, o diálogo é o intercalamento quase simbiótico de dois artistas que eu adoro: de Elisa Lucinda, Texto para uma Separação; de Chico Buarque, Trocando em Miúdos.

    ...espero que gostem!

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